sábado, 30 de abril de 2011

Libertação

A noite continuava chuvosa. O relógio da catedral batia cinco horas da manhã. Um frio corria por todos os cantos das ruas da cidade. A neblina, como um veludoso sonho, pousava sobre o chão molhado. Os pingos da chuva caiam como lágrimas de uma lua que se escondia entre as nuvens. As badaladas que cantavam, para marca cinco horas da manhã na catedral, minguaram. O silencio reinou outra vez na madrugada. Apenas os pingos da chuva  essa canção ecoava pela noite.
Como um anjo. Um anjo negro. D*** surgiu em baixo das luzes dos postes. Linda. Olhos verdes. Lábios finos. A chuva deixando seus cabelos escorrer pelo casaco. A maquiagem borrada. Fazia parecer um palhaço de um circo de terror. Porém ainda era bela. Vagava pela noite em busca de um nada. Em busca de reflexão. Amanhecendo outra vez sozinha. O silencio em sua vida parecia não ter inicio, nem mesmo fim. Apenas quando passava na frente de um espelho. Mostrando no seio esquerdo uma tatuagem. “M***** ti amo”. Lembrava-a de quando a noite tocou sua vida. A escuridão reinou em seu coração. Ó como queria livrar-se deste mórbido destino.
Suas noites, após a morte de seu amado, há algumas semanas, baseavam em caminhar sem rumo. Sem destino. Como um fantasma. Sempre amanhecia no tumulo de M*****. Sempre desacordada. Cansada. Fraca. De dia dormia. Esquecia-se em sua cama. E a noite fazia, outra vez, sua jornada sem rumo. Sem destino.
O sol outra vez minguava no horizonte escarlate. Seu leito tinha nuvens negras, como um lençol. Seus raios escureciam. Seu brilho fraquejava. Luminosidade fraca a cada instante. E num instante, num segundo, seu reino luminoso cedeu à noite escura.
Num canto do quarto de D*** um rapaz a admirava dormiu. Seu sorriso doce era triste. Podia ver ainda lágrimas nos seus lábios. Seu sorriso banhado pelo luto. Banhado por lágrimas malditas. Seus olhos sem rumo. Opacos. Vazio. Camiseta negra. Deixava a mostra no peito uma tatuagem. “D*** ti amo”. Nas mãos um vestido. Nas mãos brancas e fracas. Seus olhos fraquejavam a cada movimento se sua amada. Deixando cair uma lágrima. Outra que cairia em seus finos lábios.
Ela na cama abria os olhos. Respirava fundo para saber se a morte tinha tocado-a. porém parecia que esse destino, essa libertação não foi concedida a ela ainda. Seus olhos vagavam pelo quarto, pelo teto. Quando, num pequeno instante, encheram de lágrimas. Lágrimas que rolavam pela sua face pálida, caindo em seus lábios. Sua mão tremia. Ele apenas a olhava. Ela tentava chamar seu nome, mas as palavras não saiam de sua boca. Ele caminhou na sua direção, passos firmes, caminhou sem tirar os olhos da face dela. Chegando perto dela, ajoelhou-se. D*** tocava o rosto de seu anjo. Ela o sentia. Frio. Gélido. Ele apenas a olhava tristemente. Estendeu o braço. Um vestido. Vestido que ela conhecia e nunca usara. Ela pegou, levantou-se da cama e caminhou ao banheiro. Minutos depois saiu. Linda. O vestido no corpo mostrava que sua beleza era divina. Era como um anjo. A brancura do vestido confundia com sua pele. Ele num gesto de cavalheirismo estendeu o braço para ela, que aceitou. Saíram.
A noite estrelada, não prometia chuva. O brilho da lua caia prateadamente sobre a pele dos amantes. A rua silente, apesar de cedo. As casas ainda iluminadas denunciavam pessoas nelas. Pessoas fingindo ser felizes. E ela sorria ao encontrar o olhar de M***** procurando o seu. De mãos dadas, num ritmo só. As poucas pessoas que os viram não notaram a felicidade de ambos, apesar de camufladas em lágrimas, não deixava de ser felicidade.
Caminharam por certo tempo, vigiados pela lua que não se escondia em nuvens como nas ultimas noites. De repente no fim da rua que caminhavam, aqui e ali nasciam lápides. Aqui ou ali, alguma cruz revelava-se na noite. Ou anjos choravam para a escuridão. Portão anunciava que estava fechado cemitério. Mas não se importaram, pois seus passos não diminuíram o ritmo. Chegando ao portão, M***** quebrou o cadeado sem fazer força nenhuma. Já que seu rosto matinha ainda preso no olhar dela.
Entraram no jardim silente. Um corvo no ombro de um anjo cantava para a noite, observando eles entrarem. Como numa estala a noite começou a cantar nos ouvidos dos dois. Violinos e violões silenciosamente cantavam a loucura. Bailando, eles começaram a dançar aquela melodia. Sorrisos e gemidos saiam dos lábios deles. Euforia aos amantes. Nos túmulos algumas rosas ou velas choravam para alguém que descansava ali. Percorreram euforicamente o trajeto até que pararam em baixo de uma arvore. Os olhos dela choraram outra vez para uma lápide que conhecia, ele apenas virou-se para a lua, clamando por clemência. Outra vez se olharam, choraram juntos, de mãos dadas. Ele ajoelhou-se aos pés dela, olhando fixamente, estendeu um colar. Ela chorou. Ele ofegante colocou nos pescoço dela. Sua respiração era profunda. Ela no mesmo ritmo, como num baile. Pareciam ter o mesmo corpo. O colar pesou em seu pescoço. Apertava um pouco, mas não se importava mais. Nada tiraria os dali agora. M*****  a admirava gentilmente sem tirar os olhos chorosos. Alua brilhava cada vez mais sobre a cabeça dos dois. A árvore sobre eles parecia rezar para aquelas almas. Então num movimento ele a levantou, próximo de um galho, logo depois deixando a cair.
Ali perto, meio da escuridão, com uma lanterna na mão o vigia do cemitério caminhava. Jurava ter ouvidos vozes. E quando foi ao portão notou que o cadeado havia sido quebrado. Rezava pra encontra ninguém. Nenhum morto andando sozinho. Quando ouviu um sorriso. Não sabia onde. De um sorriso, passou a ouvir alguém cantando, voz de mulher. Aliviou o medo. A voz linda ora cantava ora sorria. Não sabia de onde vinha. Quando se calou. O silencio reinou outra vez, silencio que gostava tanto quando estava de plantão. Caminhou por algum tempo por entre as lápides. Então resolveu recolher-se no seu posto, próximo a capela. Pegando um caminho diferente daquele que fez ao chegar naquele ponto. Nada de diferente. Uma árvore no fim do corredor onde estava. Caminhou, seu coração batia rápido, não sabia o motivo. Suas mãos tremiam. A lanterna vagabunda que o patrão havia lhe dado para fazer seu serviço parecia pesar uma tonelada. Quando, assim de repente, notou algo num galho. Algo branco. Algo que parecia flutuar. Não era muito cristão, mas sabia rezar. Foi o que fez.  A luz da lanterna iluminou sua visão. Tremeu. Caiu de joelhos na calçada. Fraco. Nunca aconteceu isso por aqui, nunca nessa cidade. Nunca havia visto isso, a não ser na televisão. Correu para ligar para as autoridades.
Uma corda no pescoço branco e agora roxo. Braços caídos e frios. Olhos inchados. Os pés descalços não tocavam no chão, estavam a alguns centímetros dele. Cabelos lisos e bem penteados. Vestido branco como a neve. O mesmo vestido que o noivo trazia no carro quando sofreu o acidente que veio tirar sua vida. Algumas pessoas a viram caminhar na rua. Ela mesma teria arrombado o cadeado, pois a chave que fizera estava ali próxima. Parecia ter tirado sua vida por conta própria. Já que não tinha sinal de violência. “Estranho, muito estranho” disse o delegado. O mais estranho ainda era o sorriso nos seus lábios. Parecia estar feliz, como se a morte fosse uma libertação. Como se fosse seu destino.

A Tempestade



A chuva caia. Fria. As nuvens, no céu negro pela escuridão noturna, deixavam cair, como lágrimas, seus rios de chuva.  A neblina, como um tapete de veludo, deixava a grama podre e mal conservada encoberta. Sem idolatra a noite. Formando poças de lama suja. A neblina fazia crescer lápides pelo horizonte. Troféus mórbidos. Tão belos. Podiam-se escutar os gritos de clemência, de dor, dos pássaros noturnos. Alguns voavam outros apenas admirando a noite em algum galho de arvore. A chuva persistia, fria, doce. Encobrindo a lua. Que em seu leito adormecida apenas espiava entre uma e outra nuvem.
Como se derrepente. Surgido de um clarão promovido por um relâmpago. Com seus olhos inchados. Ainda chorosos. Ainda sofridos. Surgi L******. Um rapaz que por virtude, ou maldição parecia estar morto. Tão morto quanto aqueles naquele jardim. Fazendo esquecer a beleza que reinava em sua imagem. Seus cabelos, agora escorridos pelas lágrimas frias da noite. Pareciam estar mais podres que as gramas daquele local. Seus lábios ainda soluçavam. A respiração ofegante fazia uma pequena nuvem sair de seu nariz, por causa do frio. Sua camisa preta colada no corpo. A camisa a qual sua amada havia comprado em seu aniversário. Que depois de receber, foi banhado em beijos e carícias. Agora ela era apenas uma lembrança. Era apenas uma moradora daquele jardim. Calça Jens. Descalço. Na mão, que tremia por causa do frio, uma pá.
Caminhou fracamente, cambaleando. Apoiando-se aqui e ali em alguma lápide. Quando não conseguiu se agarrar em nenhuma, seus joelhos fraquejaram, deixando-o cair. Com os olhos fechado. Ao abri-los outra vez, sua visão caminhou até uma lápide um pouco a frente. Uma rosa. Apenas uma. Murcha. Pétalas caídas, como lágrimas. A pega-la com sua mão a rosa quebrou-se. Caindo outra vez. Agora sobre a lama.
Levantou-se, continuando andar cambaleando de fraco. A chuva caia fraca e triste. Lágrima pensou ele. Um choro da lua. Lua que brilhava, iluminado o caminho a ser seguido por ele. Até parar.
S*** dizia a lápide improvisada. Lágrimas rolaram sobre o rosto dele. Outro clarão no céu o fez cair de joelhos no barro, que por estar recente, ainda estava sem grama. Olhou para o céu. A chuva, com seus pequenos pingos caiam em seu rosto. Levantou-se, respirou e começou a cavar, com a pá que trouxera.
Quando cavava aquele chão molhado, lembrava de sua amada. Lembrava de seu sorriso. Seus lábios vermelhos cor de vinho. Seus olhos claros e cabelos escuros e volumosos. De suas mãos pequeninas que ficavam a acariciá-lo todo tempo. Mãos de veludo. Seus fartos seios a qual se deixava adormecer, desejando morrer neles.
Cavando com suas ultimas forças. A chuva fraca não ajudava muito. Quando um estalar no solo o fez parar. Ajoelhou-se e com as mãos começou a tirar o barro encharcado.  Seus dedos começaram a sangrar. Tirou toda a areia molhada, deixando a visão da lua um caixão.
Ele sem admirá-lo muito abriu o caixão. Deixando ao ar livre aquela a qual pertencia aquele leito. Continuava bela. Pálida mais bela. Morta. Fria não pela chuva e pela brisa fria, mas por não ter mais aquele calor que os vivos têm características. Cabelos mal penteados e aos poucos molhado pela chuva. Lábios fechados. Silenciosos. Sem respiração. Mortalha negra como a noite. Olhos sem vida fechados.
A lua no céu outra vez adormecia nas nuvens carregadas e negras que pairavam no céu. Ele deixou-se cair dentro do leito daquela sua senhora. Cerca de um metro no fundo. Já que a cidade onde moravam era abaixo do nível do mar. Caído ele se movimentou até sentir-se aconchegado. Ao lado dela, num leito improvisado aos amados. Sentiu-se adormecer, fraco. Fechou os olhos. A chuva caia mais forte.
Todos próximos a aquele cemitério dormiam. Crianças, devido aos trovões e relâmpagos no céu corriam para os quartos dos pais. Amantes se acariciavam, esperando ficar mais aquecidos. As lâmpadas dos portes mal iluminavam por causa da chuva torrencial que caia. Os esgotos se afogavam na quantidade enorme de água que caia. Os vigias noturnos se contorciam em seus postos de frio. Poucos carros se arriscavam nas ruas.
E no leito se sua amada L****** ainda com os olhos fechados adormecido. A água que entrava no caixão já tinha feito um lençol no corpo dos amados, deixando apenas os rostos e parte do busto de fora. Ele como se sonhava. Como se em uma cama não demonstrava nenhuma reação. A chuva não diminuía. Do jeito que caia, restava pouco tempo até as suas águas encobrir os dois. Numa arvore, como espectador deste teatro, um corvo gritava. Até que depois de alguns minutos silenciou. A chuva como mar que afunda um navio até sumir em suas águas o fez com os amantes. Durante aquele minuto parecia eternidade. Naquela água suja, podia sentir aquelas bolhas de ar mostrando que algo vivo ainda ali estava. As bolhas diminuíam, minguando. Fracas. Tornando os espaços entre uma e outra ser enorme. Podia ouvir soluços junto a elas. Até que mergulharam num silêncio. Eterno.




Não é uma ilusão, este triste luar...
Que derrama essas lágrimas de prata
Caindo em seus olhos límpidos, a sangrar,
Um escarlate rio, nas sombras da alma.

Num leito de rosas declinadas.
- Deixe-me caminhar, sozinho desfrutar...
Sinfonias horrendas, virgens embalsamadas
Poesias silentes, tristes... Onde irei navegar.

Desejo – ti um ultimo beijo, um adeus,
Minha senhora! Beijos chorosos.
Mesmo sendo frios, estes sempre são seus.
Gélidos, chorosos, divinos, graciosos.  


II



Não foi uma lembrança, maldito sonho
Aquela gota que se foi de meu coração.
Uma lágrima, alegre, silente... Um mar estranho,
Encantador, cruel, tenebroso, dormindo em minha mão.

Uma gota azul, como as nuvens que me escondo.
Nuvens de inverno, uma eterna estação,
Onde até a canção noturna, cruel... Tornou-se sonho
Minguando a luz em uma eterna escuridão.

Um esplendoroso jardim onde repousarei,
Fadigado, esperando a luz do dia para me recuperar.
Como uma nuvem, leve... Enganei.

Em seus olhos, não irei mais navegar
Não foi uma lembrança... Eu sei.
Pois o rei dos reis irá se encantar.

Lembranças de um Amanhçer



Poeta:
- Oh minha musa! Senhora de lamentações,
Doces lábios, profanos... Doce como vinho.
Ao seu lado, perdido como as embarcações...
Segure minha mão, não me deixe sozinho.

Castelã:
- Me sinto desmaiar... Noite bela,
Noite iluminada, pelos clarões de minh’alma
Noite maldita, encantadora, singela.
Beije-me! Sinta em meus beijos uma nova calma.

Poeta:
- Por que desmaias senhora! Sentes frio?
O sabor de seus lábios me traz uma nova aurora.
Um sabor amedrontador, um perdido rio
Lábios que uma nova vida ignora.

Castelã:
- Oh morte! Aceito essa nova dança!
Ti deixo meu amor... Adeus!
Que minha imagem, seja uma lembrança,
Pois agora, decairei nos braços seus.

Poeta:
- oh meu amor! Não me deixe só...
À noite, a aurora será sempre minha
Caminharemos juntos ao pó,
Não ti deixarei nessa caminhada sozinha.

Desejos


Doces lágrimas seja seu sabor doentio
Como um beijo, tem sabor tão frio?
Seus leitos são meus braços... Divina prostituta
Onde seus pálidos seios me tornam imagem oculta.

Oh falenas... O lado profano de uma bela poesia,
Onde o céu esta minguando, e você apenas sorria.
Apenas seu olhar, seu aroma, traz horror em meu coração
Um êxtase, que não me faz sentir a palpitação.

Vou deleitar-me em seus lábios, morrer de agonia.
Sentir a morte e o prazer, em harmonia.
Percorrer sua pele gélida com minhas próprias mãos.
Sua beleza sepulcral é sua própria atração.

Beber de suas lágrimas, como um venenoso rio,
No clímax, esmaecer... Como um sonho sombrio.
De seu carnal prazer... Tombarei nessa luta.
                                        Em minha morada morta, ti esperarei... Divina Prostituta.